O mercado de capitais atual possui uma origem pouco conhecida da população comum, mas muito conectado com o desenvolvimento da sociedade que vivemos até hoje. Instrumentos de financiamento de projetos e a possibilidade de posterior negociação destes contratos, que possuíam um viés de investimento, foi crucial para que desbravadores navegantes pudessem executar seus projetos de exploração além-mar com o uso de recursos originados da população, momento histórico também conhecido como As Grandes Navegações.
A época, com a escassez de recursos anteriormente originados das coroas reais para financiar tais projetos como consequência das revoluções sociais europeias, empresas de navegação como a Companhia das Índias Orientais criaram instrumentos financeiros para suportar seus projetos exploratórios, passando estes a serem disponibilizados publicamente para pessoas comuns, as quais poderiam contribuir com valores simbólicos na formação do capital necessário aos exploradores, recursos que somados aos aportes de outros investidores comuns, formavam vultuosos montantes financeiros suficientes para financiar uma nova jornada mar adentro.
Ocorre que alguns destes projetos de navegação retornavam com pouco ou nenhum resultado financeiro significativo, outros levavam anos, em alguns casos décadas para entregar algum retorno financeiro para seus investidores e alguns poucos sequer retornavam, tendo as embarcações naufragadas ou saqueadas no meio do caminho.
As pessoas que então detinham tais instrumentos financeiros em mãos passaram a trocar entre si estes papeis, algumas saindo de um empreendimento que eventualmente aparentava se alongar mais do que o esperado por outros novos instrumentos que financiavam navegações menos arriscadas ou potencialmente mais rentáveis no curto/médio prazo, criando-se assim um mercado paralelo destes títulos.
Após esse movimento de troca de instrumentos ganhar força, investidores passaram a se encontrar na praça onde se localizava a bolsa de mercadorias de Amsterdã, a “La Bourse”, com o intuito de se encontrarem e negociar entre si os títulos de investimento nestas empresas de navegação, dando origem a primeira bolsa de valores do mundo.
Mas o que as grandes navegações têm a ver com o crowdfunding de investimentos brasileiro?
Em meados de 2013, surge o crowdfunding de investimentos no Brasil, modalidade que buscava financiar projetos inovadores, porém ainda incertos dado o estágio inicial em que as empresas, em sua maioria startups, se encontravam no ato da busca por investimento, talvez o primeiro fato em comum com as grandes navegações até agora.
Startups são empresas que desenvolvem modelos de negócio inovadores ou que ofertam para o público em geral produtos até então inexistentes, em sua maioria fazendo o uso intensivo de tecnologia. São modelos de negócios arriscados, em alguns casos frágeis e incertos, já que não garantem qualquer retorno financeiro imediato aos seus investidores, em alguns casos de longuíssimo prazo, e eventuais encerramentos repentinos destes negócios não podem ser desconsiderados.
Por outro lado, aquelas startups que acertam a mão no modelo de negócio e conquistam um novo mercado, ou acabam criando um mercado até então inexistente passam a proporcionam retornos expressivos para os seus investidores (talvez aqui a segunda similaridade com as grandes navegações).
Em 2017 surge o primeiro marco regulatório da modalidade no Brasil, habilitando plataformas de crowdfunding para que estas possam distribuir publicamente oportunidades de investimento em startups promissoras dentro de um regime regulatório e sobre supervisão do regulador do mercado de capitais, a CVM – Comissão de Valores Mobiliários.
Neste primeiro marco regulatório, as plataformas de crowdfunding, mesmo sendo habilitadas a ofertar contratos de investimento para o público em geral, são vedadas de maneira expressa a disponibilizar qualquer mecanismo automatizado e tecnológico em que os investidores possam se encontrar para negociar tais contratos de investimento nas startups adquiridos primariamente naquela plataforma.
Por outro lado, não havia, até então, qualquer vedação para que estes mesmos investidores pudessem, de maneira voluntária e em ambiente privado, transferir estes contratos para outras pessoas ou negociá-los entre si, tudo isso de maneira artesanal e sem a intermediação da plataforma que originou tal contrato (aqui mais uma similaridade com a história das grandes navegações).
O marco regulatório do crowdfunding no Brasil de 2017 pode ser considerado como a primeira renascença do mercado de capitais brasileiro, já que instrumentos para o financiamento de empresas já existiam, porém, até então, restritos a grandes conglomerados empresariais e de alto custo de colocação. No entanto, mesmo abrindo as portar para que empresas nascentes pudessem recorrer ao mercado de capitais para financiarem as suas empreitadas, este ainda se restringia a investidores mais apetitosos a risco, já que não havia a possibilidade de estes negociarem tais contratos com outros pares em um ambiente facilitado.
Dia primeiro de julho de 2022 marca um segundo começo para o mercado de capitais do Brasil, momento em que as plataformas de crowdfunding que disponibilizam esta modalidade de financiamento e investimento em projetos inovadores passam a contar com novas ferramentas para impulsionar a modalidade no país e atrair uma nova camada de investidores interessados em inovação e tecnologia, mas não tão apetitosos à risco.
Com amarras liberadas, limites expandidos aliados à disponibilização de instrumentos até então inéditos para o segmento, o crowdfunding de valores mobiliários amadureceu e alcançou o status de ambiente de negociação de contratos de investimentos em startups digno de mercados sofisticados como o de ações ou de fundos de investimento, já que o regulador possibilitou às plataformas a criarem as suas versões digitais da “La Bourse” holandesa, habilitando ao investidor a buscar antecipar a liquidez do investimento em empresas nascentes, ou trocar seus contratos de investimento em uma startups por outros emitidos por outras startups, atraindo um novo perfil de risco para o universo do investimento neste tipo de negócio inovador.
Com o uso de tecnologias emergentes e disruptivas como o blockchain, plataformas de crowdfunding poderão oferecer um ambiente dinâmico e automatizado para que investidores de uma determinada startup possam anunciar a venda parte ou a totalidade dos seus contratos de investimento nesta nova praça digital, habilitando, ainda, que novos investidores possam ingressar na jornada do investimento da empresa promissora que emitiu tal contrato.
Estamos agora vivenciando a segunda renascença do mercado de capitais brasileiro, criado um campo de jogo acessível e eficiente para que empresas promissoras possam buscar financiamento e investidores possam criar o hábito de investir (e agora desinvestir) em empresas promissoras, fomentando o desenvolvimento inovador e tecnológico de nosso país.
Diego Perez Co-Founder da SMU
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